Suicídio na PM
Abreviar a própria vida. Poucos atos são mais extremos que este e, muitas vezes, o que o gerou, começou bem antes do que a atitude em si. O esgotamento, a incapacidade de lidar com eventos que se apresentaram, o acúmulo “de peso”, o grito de socorro silencioso que não é ouvido.
Tivemos na semana passada o suicídio de três policiais militares. Em uma só semana, três seres humanos que pertenciam a uma família chamada Polícia Militar, uma família cujos integrantes juraram servir ao próximo e vivem para isso, pois mais que testemunhas, são atores principais em outras vidas (justamente quando estas não sabem a quem mais recorrer em momentos de perigo), partiram de forma abrupta. Deixaram um vazio enorme.
A família Policial Militar possui uma vida rude. Ela não é composta somente por pessoas que sorriem ou que falam de amenidades, exibindo-se em redes sociais. São personagens reais, da vida real, que pagam caro quando se dedicam exclusivamente na missão de ajudar o semelhante. Essa família possui mais de 8.000 de seus filhos que se tornaram deficientes físicos. Outros 700 filhos tornaram-se paraplégicos. Dezenas de milhares desses filhos, pela rotina dessa família, possuem uma longevidade muito menor que a das outras pessoas. Viverão bem menos. Muitos carregando cicatrizes no corpo e alma.
Alguns dos filhos dessa família procuram ajudar seus próprios irmãos. Para um “filho Policial Militar” desejar ajudar a manter a saúde mental de outro irmão de farda, ele utilizará do seu parco salário, suas pouquíssimas folgas e estudará psicologia. Quando se formar, atenderá dezenas (se não centenas) de policiais militares que se encontram em momentos difíceis. Atenderá várias viúvas de policiais.
As acompanhará nos enterros dos maridos. Acompanhará centenas de filhos de policiais que precocemente partiram tão como filhos de outros policiais que tiveram o corpo impactado pela rotina dura da vida dessa família. Sabe qual o incentivo dado para que um policial militar estude para ajudar outro irmão policial?
Nenhum. Absolutamente nenhum. A Sargento PM Taís Valeria Fanasca Melloni, 42 anos, morreu após ser atropelada durante uma abordagem a um carro roubado, em Mauá, em setembro de 2019. Ela era também psicóloga e atuava ajudando famílias de policiais mortos em serviço e era conhecida pela dedicação ao trabalho.
Morreu enquanto trabalhava na rua, combatendo o crime, na tão famigerada DEJEM (a venda de folgas, artifício do governo que mantêm o salário baixo, obrigando ao policial a empenhar seu repouso para pagar as contas, como a Atividade Delegada).
O governo também usa do famigerado bônus. Assim, o veterano que levou seu corpo ao limite por décadas não o recebe. Nem tão pouco os paraplégicos que saíram do serviço ativo. É leviano, para não dizer mentiroso, que o governo se preocupa com o ser humano policial. Enquanto estiver nas ruas, servirá para o governo.
Depois disso, para ele não. Nem seus órfãos e viúvas são lembrados. Aos que inventaram esses artifícios, o meu desprezo.