Sabadão à noite, a rapaziada se prepara. O agito? Baile da DZ7, favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo.
Você certamente já ouviu falar de Paraisópolis, foi tema de novela da Globo. Tudo bem que, além do nome e das cenas do primeiro capítulo, não há mais nada sobre o local no restante do folhetim — uma comunidade cenográfica foi criada no Projac —, mas isso é detalhe.
Paraisópolis é uma das maiores favelas do Brasil. É um dos locais mais carentes da capital paulista e faz divisa com um dos mais ricos, o Morumbi. É ali que ocorre semanalmente o baile funk — ou pancadão — mais conhecido de São Paulo.
Tudo começou com o bar 17 Rei da Batida, onde havia um pagode aos domingos até a meia-noite. Nos intervalos do samba, o pessoal encostava com os carros e botava o funk para tocar. Com o tempo, o ritmo foi ficando mais popular, começou a chegar mais gente, até que o proprietário resolveu fechar e se mudar de lá. O funk já havia dominado, e o evento virou o Baile da DZ7.
Na semana passada, ganhou visibilidade extra por causa de nove mortes ali ocorridas: uma jovem e outros oito jovens. Houve um tumulto, um corre-corre, e as vítimas acabaram pisoteadas. Minutos antes, uma perseguição policial adentrava a multidão, tiros eram disparados pelos dois suspeitos que fugiam, e o resultado foi essa tragédia.
O que se seguiu foi o usual massacre à Polícia Militar. Reportagens revezavam-se no noticiário detratando a Instituição. Imagens colhidas por celulares mostravam a ação dos policiais, e a demonização, como de costume, seguiu.
É curioso como a imprensa, a classe artística, os intelectuais, os ativistas de direitos humanos já têm sempre, a priori, o conhecimento dos fatos e a certeza das culpas, ou seja, o julgamento e as condenações. Claro! Sempre a responsabilidade é eminentemente da PM, que “já chega atirando e esculachando geral”. A galera só quer se divertir depois de uma semana estafante.
A Rede Globo glamoriza o pancadão chamando-o de baile funk mais tradicional de São Paulo, e justifica sua existência, pois “não há opção de lazer para os jovens”…
Durante a semana, a ladainha da imprensa toda foi a mesma. Na Jovem Pan, por exemplo, Vera Magalhães e Josias de Souza entabularam a luta de classes. Disseram que o baile só fora reprimido por ser na periferia, com jovens pobres que só estavam tentando se divertir, já que o Estado não lhes oferece lazer. Se fosse uma rave, o Lollapaloosa ou o Rock in Rio, o procedimento seria outro. Felizmente Rodrigo Constantino botou rumo decente na conversa e lembrou que as maiores vítimas do baile funk são os próprios moradores pobres da favela, que são perturbados pelo som ensurdecedor da batida até de manhã e lembrou também que, nos eventos citados pelos dois outros comentaristas, as pessoas não estariam expondo fuzis e pistolas.
É interessante observarmos realmente a visão romântica dessa turma da esquerda endinheirada que acha bonito e cultural o baile funk, desde que seja na periferia, não na porta de suas casas.
Não podemos nos esquecer do projeto de lei municipal Nº 02/2013, de autoria dos então vereadores Coronel Camilo e Conte Lopes, que proibia a utilização de vias públicas para eventos desse tipo e estabelecia multa de R$ 2 mil, além de apreensão de veículos dos infratores.
O projeto foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo em 06/12/2013, e em 08/01/2014 foi vetado pelo pior prefeito que a cidade já teve, o petista, poste do Lula, Fernando Haddad. Sua justificativa:
“… o funk é uma expressão legítima da cultura urbana jovem, não se conformando com o interesse público, à toda evidência, sua proibição de maneira indiscriminada nos logradouros públicos e espaços abertos”…
Expressão legítima da cultura urbana jovem no quintal dos outros é fácil, né? O progressismo infesto do então prefeito legou à população paulistana essa desgraça a que hoje assistimos. Essas nove mortes, na justa proporção, respingam sangue no equivocadíssimo veto de Haddad.
Pois é, tirando o glamour hipotecado pela elite, não há nada de belo em um imenso ajuntamento de pessoas, estimulado por criminosos, onde se executam “músicas” em altíssimo volume, onde se praticam consumo e tráfico de drogas, onde se exploram sexualmente menores de idade, onde se obstruem vias de acesso, onde se ostentam armas irregulares e veículos roubados, onde se ensina o caminho mais curto para o além.
É um ambiente desse que a Globo chama de lazer, de expressão cultural. Culpam o Estado pela falta de opções, mas nenhuma opção será capaz de oferecer bebida barata, drogas à vontade e sexo gratuito ao ar livre. É preciso desmascarar a hipocrisia dos formadores de opinião!
Fui jovem na periferia e não tinha muito mais opções do que esses jovens oprimidos de hoje, “que têm uma rotina extenuante e precisam extravasar”. Vamos tomar vergonha na cara, minha gente?
Naqueles idos de 80, não tínhamos quadras poliesportivas construídas para a população, então jogávamos bola em campinhos de terra. Na sua falta, jogávamos na rua (muitas vezes na ladeira). As traves eram pedras. As bolas eram de capotão, plástico ou meia. Os uniformes eram: com camisa e sem camisa.
Também não tínhamos eventos criados para que pudéssemos namorar e gastar a testosterona típica da flor da idade, então fazíamos bailinhos, levávamos a comida e a bebida de casa, e nos divertíamos muito.
Trabalhava-se desde adolescente durante o dia, estudava-se à noite. Tínhamos de tirar notas compatíveis ou reprovávamos. E se isso acontecesse, no ano seguinte começávamos de novo. E não tínhamos depressão por isso.
Ai de nós se nos metêssemos com gente que não prestasse. Em casa o couro comia. Não precisávamos de conselhos tutelares dando pitacos na nossa criação. A família era o berço da formação e da correição. Se driblássemos o olhar dos pais, a escola nos endireitava, ou a polícia, em último caso.
Hoje estamos nessa situação. A família não apita nada. A escola ensina tudo, menos o que tem de ensinar, basta consultar os resultados do PISA, do SAEB e dos demais exames. A falta de limites é generalizada. Não se respeitam pais, professores, policiais, nada e ninguém.
Hipócritas!
Perguntem aos moradores de bem de Paraisópolis se aprovam essa nojeira chamada pancadão. Provavelmente não responderão, porque são reféns do poder paralelo ao Estado. Paraisópolis é um local extremamente perigoso, dominado pelo crime organizado. Pobres dos moradores de bem, que precisam se resignar às leis locais. Foi ali que morreu há pouco mais de um ano a soldado Juliane, após ser brutalmente torturada. Há aproximadamente um mês, também perdemos o sargento Ruas em uma emboscada, perto da DZ7.
Neste sábado, tudo se repetiu, talvez com menor quantidade de frequentadores, mas a baderna estava lá. Muita maconha, cocaína, álcool, as meninas seminuas e a barulheira de sempre.
A PM, com efetivo gigantesco, ficou no entorno, sob ordem expressa do governador-gestor de não entrar no fluxo. As viaturas deveriam permanecer estacionadas, sem permissão para circular. Ou seja, o crime correndo solto lá dentro, e a PM fazendo a segurança para os criminosos.
Houve uma morte, na Rua Melchior Giola, em frente à padaria Sorocaba. Como, entretanto, não dá para inculpar a polícia, talvez a mídia nem a comente.
Desta vez, os frequentadores estavam todos de branco, em homenagem aos mortos da última semana. Certamente os homenagearam bebendo, fumando, cheirando e transando muito.
E segue o baile.
08-12-2019
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