A chibata que nos marca
Consciência Negra…
Vai além de um período da História, muito explorado por alguns mas, infelizmente, para muitos, acaba tendo uma alusão que considero rasa. Sim, considero rasa. É exatamente isso que pensa um parlamentar, policial militar, ex-patrulheiro de ROTA que, com irmãos e irmãs de armas (e alma), salvamos muitas vidas humanas. Eu me declaro HUMANO e não consigo distinguir um ser humano de outro que não seja por seus atos, condutas e valores. Por sua consciência.
O professor Milton Hatoum disse que “a vida começa verdadeiramente com a memória”.
Pois bem, estima-se que entre 1501 e 1870, mais de 12,5 milhões de africanos (ressalto, seres humanos nascidos naquele continente) teriam sido vendidos como escravos e conduzidos para o continente americano sendo que, destes, aproximadamente 25% eram enviados para o Brasil. Muitos pereciam antes da chegada, tanto por doenças como pela violência e as condições de transporte. Segundo Gomes (Escravidão Vol. 1 – do Primeiro Leilão De Cativos Em Portugal Até A Morte De Zumbi Dos Palmares – Globo Livros Editora – 2019), muitos dos 1,8 milhões mortos eram lançados ao mar durante a travessia, o que fez mudar o hábito, inclusive, de cardumes de tubarões. A expectativa de vida daqueles que aqui desembarcavam era, em média, de 25 anos.
O pelourinho castigou diversos seres humanos. A chibata que estalava, com seu som maldito, som de dor, som de sofrimento, som de indicava que um ser humano sentia dor avassaladora (dor que era única e exclusivamente sentida por UM ser humano naquele momento que repetia-se, a cada golpe). Seria outro “humano” que aplicava o golpe? O que sentiam os demais que presenciavam essa cena? Qual a dor de quem não recebia na carne o “toque” da chibata, mas via (e ouvia) seu estalar em outro semelhante. Semelhante em condição humana, semelhante em condição de submissão, semelhante que iria, sangrando, juntamente com outros, deitar-se na senzala. Seriam semelhantes, também, aqueles que não foram trazidos a força para terras distantes para trabalharem em condições que lhes tiravam a condição (mas JAMAIS A ALMA) humana, mas passivamente, em trajes de passeio, testemunhavam tal ato?
A memória, juntamente com a reflexão, nos propicia a compreensão. Acrescenta-se a isso, as palavras diálogo e respeito.
Sabia que até no período nazista os negros e seus descentes sofreram?
A arraigada concepção de “raça superior ariana”, fez com que aproximadamente 500 crianças afro-alemãs, filhas de mães alemãs e de soldados coloniais africanos, dos exércitos que ocuparam a região da Renânia após a Primeira Guerra Mundial, fossem vítimas do programa nazista de esterilização. Em 1933, em nome da necessidade de que “o Estado tivesse controle sobre a pureza racial”, foi decretada a Lei de Pureza Racial. Alguns “indesejáveis”, segundo a ótica nazista, foram obrigados a submeter-se a esterilização.
Desta forma, tentando me fazer entender (no que espero estar conseguindo), digo que o racismo, “preconceito e discriminação direcionados a alguém tendo em conta sua origem étnico-racial”(segundo o Dicionário Oxford) não é só uma questão daqueles que declaram-se negros. Mas ele existe e existiu em relação aos africanos e seus descendentes. Por isso deve ser lembrado.
Mas essa data é importante. Muito importante e para todos.
Ainda temos muitos escravos no Brasil. Escravos das próprias paixões, dos próprios vícios, escravos do próprio egoísmo, escravos do próprio ódio, escravos da incapacidade de enxergar que existem outras vidas que sua própria, que existem outros pontos de vista e “certezas” que aquelas que ocupam uma única mente.Também temos, sim, vários “senhores de engenho”.
Há a escravidão moral ainda. Ela atinge diversos continentes por todo globo. Ela atinge a todas camadas sociais.
É necessário, nesta data, tanto pela História (do Brasil, principalmente), que recordemo-nos das senzalas que existiram em nossas terras. Do que passaram os africanos e seus descendentes aqui. Obviamente existem outras datas, que os mais diversos povos deste mundo tão plural, fazem questão de recordar. Mas não é uma data só deles. Serve para todos.
Da mesma forma, os africanos e seus descendentes possuem uma data. Alusiva a chibata que marcou a pele de seus antepassados. Alusiva a privação de esperança.
Não se trata somente do Dia da Consciência Negra, é mais, transcende. É um dia para aqueles que DECLARAM-SE HUMANOS. É um dia de reflexão de consciência do que aconteceu em um período, com uma data que lhe foi dada em específico, para que sempre, todos os dias possamos refletir.
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