— Em teus dias, meu filho, sangrarás no corpo e no espírito por pessoas que não te reconhecerão o valor, que sequer te reconhecerão como pessoa.
Serás exigido como ente superior, blindado contra ataques, projéteis, lâminas, paus, pedras, cusparadas, impropérios de toda sorte.
Ganharás o suficiente para a sobrevivência mísera e te fartarás do trabalho incansável, do sol e das intempéries, do vento frio e úmido das madrugadas.
Teus filhos te pedirão o que não podes apenas pelo fruto de tua nobre missão, então te desdobrarás em outras tantas para atendê-los.
Teu corpo reclamará pelo peso dos equipamentos, pela postura desajeitada, pela falta de sono, pelo alimento inadequado.
Teus riscos constantes e teu estado de permanente vigilância, durante as jornadas e também no descanso, cobrarão alto preço adiante.
Deixarás tua morada todos os dias antes de o sol nascer sem saberes quando e se regressarás, nem como.
Trarás dores crônicas e agudas nas articulações, nos órgãos todos e, pior, talvez teu juízo também padeça.
Sofrerás muito e provavelmente viverás menos e pior que os demais. Além disso, jurarás morrer pelo teu semelhante, se necessário for.
Teus ombros acolherão desconhecidos, tua farda restará tinta por teu sangue e de outros, teus braços carregarão companheiros tombados.
Não obstante, toda a sociedade te tomará por privilegiado e, mesmo sendo diferente em tudo, serás execrado por mereceres carreira mais curta.
Portanto, filho meu, chegarás ao cumprimento de tua missão bastante sofrido e avariado ao cabo de trinta anos, se chegares.
Ainda assim te pergunto: aceitas esse fardo que te ofereço?
— Sim, meu Senhor, aceito de bom grado, afinal não escolhemos, mas somos escolhidos.
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