Inteligência X imediatismo
Estava hoje lendo uma reportagem onde a Polícia Civil, em um trabalho primoroso de inteligência, conseguiu atingir simultaneamente vários alvos. Foi um baque tremendo no patrimônio de criminosos e pessoas que lavavam dinheiro para o crime organizado.
A parte visível da operação, com os policiais em trajes ostensivos e viaturas, aparece nas imagens da reportagem. O que poucos, pouquíssimos, imaginam ou sequer sonham é o trabalho imenso, longo e cansativo para se chegar ao resultado que foi exposto na mídia. Não é algo imediato. Não é uma breve informação que chegou naquela hora e foi averiguada. É um trabalho onde, os homens e mulheres da Inteligência da Polícia atuaram, em que a pressa não combina e, menos ainda, ações impensadas ou não calculadas.
Da mesma forma que o funcionalismo público, a Polícia Civil tem sido relegada aos seus piores momentos. Os Piores Salários Do Brasil (PSDB em estado puro), a falta de contingente e, por isso, um acúmulo enorme de trabalho, entre vários pontos que o Poder Executivo esconde nas propagandas.
Seus delegados e investigadores, carreiras que exigem curso superior para ingresso, são os mais mal remunerados entre as Polícias Judiciárias. E nem por isso, esses valorosos policiais deixam de atuar. A peculiaridade do serviço (investigação, arrecadação de provas etc.) não permite o imediatismo, sob pena de vermos soltos os criminosos.
Passei a refletir, também, sobre o ambiente legislativo. É uma arena. Bem pior e mais complexa do que imaginava ser quando me encontrava ainda atuando na Polícia Militar. Quando estava no patrulhamento de rua (na Rádio Patrulha, no BAEP ou na ROTA) havia também vários profissionais que apoiavam o serviço e não eram vistos. São aqueles que nos forneciam informações, os que cuidavam da manutenção das viaturas, do armamento, dos assuntos de suporte administrativo, entre outros. As viaturas e as equipes nas ruas são a parte visível, mas existem várias outras para que o “visível” aconteça.
Na “arena” legislativa (para alguns, melhor definindo pelo que efetivamente fazem, “palco”), também tenho suporte para atuar. Todos na Assembleia Legislativa possuem. E são pessoas das mais diversas vivências e especialidades que nos ajudam e também recebem as demandas do cidadão paulista. Ninguém faz nada sozinho. A opinião e ação final será a do parlamentar, mas há uma equipe por trás.
Recebemos centenas e mais centenas de demandas. É o termômetro da inércia e descaso de outra esfera de poder: o Executivo. Muitos acham que um deputado ou o Poder Legislativo pode, por si, tomar todas as iniciativas ou resolver tudo o que é pedido ou sugerido. Mas não é verdade. Muitas são prerrogativas do Executivo.
Já recebi vários projetos, muitos de policiais e passei a ler o teor do proposto. Percebo nitidamente nas mensagens o efeito de anos de exploração, da angústia gerada, da penúria a que se chegou principalmente pela ação nefasta, maldosa MAS, CALCULADA, do Poder Executivo (leia-se, tucanos). Souberam como nunca explorar a necessidade de forma extremamente planejada.
Quando da vinda do pedido de projetos ou das várias sugestões, muitas vezes sou alertado pela assessoria: “- Já pagamos muito pelo imediatismo. O governo sabe como fazer isso. Se enviar essa proposta para frente, atendendo o ‘agora’, estará ajudando a afundar mais ainda o ‘amanhã’.
Sugerimos que além do ato e de sua conseqüência, pense no desdobramento disso nos próximos anos”. Realmente, ao olhar com mais tempo e pensando no que foi falado, vejo que está correto o posicionamento. Por mais que doa, está correto.
Cito um exemplo e já falei em outras oportunidades, de explorar o imediatismo e a conseqüência ao longo dos anos. Salários baixos: ofertou-se a venda de folgas para as prefeituras (Atividade Delegada). Quem alertou para que NÃO fosse feita, foi criticado. O salário permaneceu baixo pois viram que, quem desejasse melhor remuneração, não se importava em vender as folgas correndo atrás de vendedores ambulantes. Veio a DEJEM. Quem falou “se ninguém fizer, ganharemos pouco agora, mas no futuro entenderão que ninguém quer vender as folgas, pois queremos reconhecimento e salário”, foi também execrado. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”.
A necessidade foi sendo explorada e o imediatismo prevaleceu. Veio a Bonificação. Quem a recebeu, além do bem vindo dinheiro que estava faltando, infelizmente talvez não pensou em quem não a recebia. Também, pela prioridade de pagar as próprias contas, não se pensou, principalmente, no veterano.
Por isso propus (Projeto de Lei Complementar nº 19, de 2020) que Bonificação fosse equitativa a todos, inclusive para aqueles que por décadas trabalharam na Polícia. O governador incentivou a divisão interna. Primeiro fez valer que individualmente se pesasse somente no “agora”, no “imediato”, que são as contas da “própria” família. Aos demais… Conseguiu dividir a família Polícia Militar. O Poder Executivo conseguiu exatamente o que queria. Desunir, explorar o imediatismo e deixar que se pensasse em algo sólido para o futuro.