A desconstrução da segurança pública “pelos nossos”
Quando ingressei na Polícia Militar, no final da década de 1980, das várias coisas que percebi, uma me chamou a atenção: que os veteranos tinham os mesmos direitos que o pessoal da ativa. Já que não possuímos os mesmos direitos dos demais (como não poder fazer greve, não recebemos alguns adicionais, FGTS entre vários outros), aos menos aposentávamos com os mesmos direitos dos policiais da ativa e não éramos esquecidos.
Havia um respeito por quem havia trabalhado décadas a serviço da população. Uma preocupação do comando de não perder direitos do ser humano que vestia no corpo e na alma uma farda. Nem tudo dependia do comando, é fato. Mas ao menos não havia desconstrução do que se tinha.
Sempre houve um discurso, que se mostrava correto e justo: a missão policial é diferenciada por ser desgastante. E defendia-se esse discurso! Nosso comando defendia! Todos nós.
O tempo foi passando. Nosso salário estava longe de ser alto, mas não estava ruim como hoje. E menos ainda havia desrespeito com a situação de quem trabalhou para que até hoje a polícia existisse.
Surgiu então uma mudança de discurso pelo comando. VALORIZAÇÕES. Esse determinado “comando” e os seus acharam que qualquer coisa era valorização. Passou a defender que o PM, ao invés de ser reconhecido, fizesse um “bico” legalizado (mesmo que antes se defendesse que hora de folga seria para descanso).
Ao invés de todos recebermos um salário justo (ativa, veteranos, viúvas e órfãos de policiais), legalizou o bico para a Prefeitura. Correr atrás de camelô! Mas…nosso serviço não é cansativo? Não é desgastante? E o veterano? E o salário? Onde está a demonstração que o COMANDO está com a tropa? Se NÃO CONSEGUE coisa melhor e não concorda com o político que está temporariamente no governo, porque não entrega o cargo, como demonstração de descontentamento?
Mas a valorização veio. PARA O COMANDO. Foi apoiado a tornar-se vereador, depois deputado e, ainda hoje, não foi esquecido por vender os direitos alheios: está no governo! O salário dos outros não importa, nem o stress, o desgaste, a não convivência familiar e NEM O FUTURO DOS DEMAIS. E existem muitos nessa mesma linhagem, empregados em várias esferas do governo. Afinal, são “dos nossos”. A lealdade para o governo é recompensada para alguns.
Vieram outros comandos. E com eles ‘VALORIZAÇÕES’. Nunca salário e nem tão pouco enxergar o policial como um ser humano, em um trabalho arriscado e cansativo. DEJEM! Vamos mostrar que ao invés de salário podemos vender todas as folgas para o Estado. Bônus!
Assim o salário baixo dos que estão na ativa pode ser complementado e TODOS deixam de se preocupar com os que estão na reserva. Afinal, quem está no Comando e aceita essas “VALORIZAÇÕES” para os outros, também foi valorizado.
Até mudar as regras, onde antes as duas polícias tinham paridade salarial foram mudadas! Mas não vi ninguém do Comando demonstrar discordância entregando o cargo. Pelo contrário! Foi iniciativa “dos nossos”.
Hoje, AINDA não chegamos no fundo do poço. Estamos a caminho. Sempre tem algo mais para rebaixar (dos outros) e falar que é uma “vitória”. Hoje os “nossos” aplaudiram o incentivo de poder recontratar veterano! Vitória! Que solução! Segundo os “nossos” será voluntária a adesão. Como na DEJEM e na DELEGADA.
É só manter o salário miseravelmente baixo e esperar os “voluntários”. Mas…e se o PM estiver doente? O veterano não tiver mais saúde? Um policial desejar criar presencialmente os filhos nas folgas ou cuidar de um filho doente? E a viúva e o órfão do policial? Para os “nossos” eles não existem? Aparentemente NÃO.
Não desejam ofuscar as vitórias conseguidas. Entregar o cargo em protesto? Nem pensar! Mais fácil desconstruir tudo que foi dito nos últimos 30 anos.
Os policiais novos já aprenderam com os “nossos” uma outra realidade: veterano é diferente. Deve ganhar menos. Foi um trabalho longo e paulatino o dos “nossos”.
Mas os “nossos” conseguiram. O PM deve trabalhar até morrer. E o governo não esquecerá desses poucos que fizeram um trabalho longo de desconstrução do futuro.
Inclusive “os nossos” ensinaram que um governador pode até divulgar em rede social que dá bronca em um integrante do Comando! Em tempo real! Com todos quietos. É só se rebaixar. Qualquer que seja o governador. Tanto faz. Os “nossos” não se importam. Quem sabe sejam valorizados.