Não acredite em manchetes!
Você sabe o que são fake news? Todos sabemos. São aqueles conteúdos mentirosos, que nos chegam normalmente nos grupos de WhatsApp ou que circulam nas timelines das redes sociais em geral. Suas fontes são suspeitas. O tom é normalmente sensacionalista.
Cuidado!
Devemos nos acautelar e evitar passar adiante essas informações. Desconfiar sempre é uma boa pedida.
A prudência de checar a informação é recomendável e, em tese, o local adequado para isso deveriam ser os órgãos respeitáveis de imprensa. Mas e quando esses mesmos nos oferecem armadilhas?
Como sabemos, o mercado da notícia é um filão bastante rentável. Os grandes empresários do ramo (como o famoso Joseph Pulitzer) descobriram, há mais de século, que poderiam ganhar muito dinheiro comercializando a narração dos fatos.
Desde há muito, a credibilidade na veiculação da notícia é capital importante para a reputação das empresas de jornalismo. Dessa forma, veicular informação incorreta ou imprecisa, muito mais do que desabono moral, constitui perda de prestígio e, consequentemente, de dinheiro.
Não é comum vermos mentiras publicadas, mas quem precisa da mentira propriamente dita? Como já dizia uma peça publicitária premiada da Folha de S. Paulo, “é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. Citavam diversas informações verdadeiras e positivas sobre Adolf Hitler. Só no final descobríamos de quem se tratava.
A palavra narrativa, desgastada nos dias de hoje, é um dos recursos mais utilizados pela grande imprensa não para mentir, mas para induzir a erros de interpretação. O chamado viés ideológico é o que costuma conduzir a linha editorial de diversos órgãos de imprensa.
Nesse sentido, um recurso poderoso para produzir efeitos deletérios no leitor, ouvinte, telespectador é a manchete, o título da reportagem.
As pessoas leem, ouvem ou veem uma determinada chamada que não é mentirosa, mas que também não é a verdade absoluta. Pode ser apenas parte da verdade e, sem a devida contextualização, certamente pode levar o indivíduo a um juízo de valor que não se sustente diante do teor completo da notícia.
O mais grave disso é sabermos que grande parte do público apenas consome manchetes.
Uma pesquisa realizada em 2009 pela firma de assessoria Outsell, publicada em 2010 pela Veja, revelou que 44% dos usuários do portal Google Notícias liam apenas os títulos das matérias, sem acessar os conteúdos completos.
Nos jornais virtuais que cobram pelo acesso a suas matérias, esse número certamente será superior.
Pois bem, quando temos uma rede de usuários que consomem em geral manchetes, o conteúdo das manchetes pode ser danoso à compreensão geral sobre os fatos do dia a dia. E é apostando nesse cenário que podemos afirmar que há, sim, uma pré-disposição da grande imprensa em veicular sua visão de mundo, uma visão progressista de mundo, via de regra.
Vejamos alguns exemplos.
• A economia brasileira registrou números positivos, que, embora não sejam o sonho do governo, superaram a baixa expectativa. Ao dar a notícia imparcialmente, ou seja, divulgando a melhora constatada, alguns jornais preferem enfatizar a adversidade (reparem a conjunção adversativa “mas”):
Economia brasileira cresce 0,4% no 2º trimestre, mas não engata retomada (Veja, 29/08/2019)
https://veja.abril.com.br/economia/economia-brasileira-tem-desempenho-fraco-e-cresce-04-no-2o-trimestre/
Brasil escapa da recessão
PIB cresce mais que o esperado, mas ainda falta muito; veja o que foi bem, o que foi mal e o que esperar (Uol Economia, Grupo Folha, 29/08/2019)
https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/pib-2-trimestre-de-2019-/#album-1
Observemos como é possível levar a percepção do mesmo fato para um lado ou para o outro:
O PIB cresce pouco, mas cresce melhor e pavimenta um futuro bom (Gazeta do Povo, 21/10/2019)
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/pedro-menezes/pib-crescimento-economia/
• A redução no número de homicídios deveria ser enxergada com alegria, pois vidas estão sendo poupadas. Sim, mas em vez de enxergar o copo mais cheio, alguns preferem…
Número de assassinatos no Brasil cai 10% em 2018, mas polícias matam mais (Folha de S. Paulo, 10/09/2019)
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/numero-de-assassinatos-no-brasil-cai-10-em-2018-mas-policias-matam-mais.shtml
Assassinatos caem no Brasil em 2018, mas mortes por policiais crescem 20% (Exame, grupo Abril, 10/09/2019)
https://exame.abril.com.br/brasil/assassinatos-caem-no-brasil-mas-mortes-por-policiais-crescem-20-em-2018/
Em relação aos números no governo Bolsonaro, a queda de homicídios é importante, porém…
Queda de homicídios não se deve a ações de Bolsonaro, dizem analistas (Uol, grupo Folha, 15/06/2019)
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/06/15/por-que-o-numero-de-homicidios-caiu-no-brasil-quatro-especialistas-opinam.htm
• A manchete a seguir a seguir é de hoje, esteve em primeiro lugar nos Trending Topics do Twitter. Lendo-a, temos quase a certeza de que se refere a este ano, marcado por uma gestão federal que não respeita o meio ambiente, na opinião dos ativistas. O fato, porém, é de fevereiro de 2018.
Árvore gigante rara de 535 anos foi derrubada em Santa Catarina para virar cerca (BBC News Brasil, 29/11/2019)
https://www.bbc.com/portuguese/geral-50578637?ocid=socialflow_twitter
Em síntese, a imprensa, chamada por muitos de Quarto Poder, é fundamental para nosso conceito de democracia. Ela desempenha um papel essencial na fiscalização dos governos e na leitura dos fatos sociais.
Países que sufocam esse exercício são corretamente classificados como modelos autoritários.
No Brasil, a atividade jornalística é protegida pela Constituição Federal:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
Isso tudo é fato, e não seremos nós a restringir esse exercício profissional, que é também uma garantia ao cidadão em geral na medida em que lhe assegura o direito à informação.
Apesar de tudo isso, a boa e velha prudência sempre será salutar.
Leia, ouça, veja. Informe-se.
Entretanto leia o todo, não apenas a parte, que pode encerrar meias verdades.
Leia a parte, leia o todo e, sempre, desconfie de tudo!
(30-11-2019)