Não é escolha
O momento por que passa o Brasil e, em especial, o Rio de Janeiro é de nos causar assombro. A violência galopa enquanto autoridades, especialistas e comunicadores fabulam em cima de fatos.
Na última quinta-feira (7), um policial militar carioca, Sargento Douglas Fontes, e sua namorada foram abordados por cinco criminosos na Baixada Fluminense. Ao ser identificado como PM, Douglas foi executado com quase vinte tiros. A namorada conseguiu fugir. Ele foi o 54º PM morto no Rio em 2018. Infelizmente esse número já subiu.
Essa história terrível — repito, terrível! — seria mais um caso meramente estatístico, em termos de apelo jornalístico, não fosse um detalhe ainda mais estarrecedor. A mãe dele, senhora Maria Fontes, ao ouvir sobre o acontecido, correu para o local. Ao se deparar com o corpo do filho, jacente, ensanguentado, experimentou uma dor superior a suas forças. Um infarto pôs fim à sua vida.
Nós, policiais, convivemos com acontecimentos dessa natureza ao longo de nossa carreira. Infelizmente, casos como esse acontecem por uma série de fatores, que merecem longa abordagem, mas não será esse o objeto deste artigo.
O Jornal Hoje, da Rede Globo, na mesma quinta-feira, trouxe uma reportagem sobre a ocorrência. Outras mortes foram lembradas, uma associação de parentes de policiais militares vítimas foi mencionada e, para fechar a matéria, uma especialista foi ouvida: a senhora Ilona Szabó. Sua posição final sobre esse contexto de mortes de PMs foi: “… e esta é uma outra discussão, porque a gente não pode cobrar que o policial seja policial 24 horas por dia. Será que ele deveria estar armado na folga? Para sua própria proteção. Eu acredito que, num momento como esse, não.” E com essas palavras encerrou-se a reportagem.
Ilona Szabó é uma ativista do chamado Terceiro Setor, termo utilizado para designar o campo de trabalho preenchido por organizações, instituições, entidades de direito privado, sem fins lucrativos, visando ao bem-estar social. Seu currículo é formidável em títulos e experiências em diversos organismos nacionais e internacionais. É cofundadora e diretora-executiva do Instituto Igarapé, cujas principais metas poderiam ser resumidas em liberar drogas e proibir armas.
Não sou, de forma alguma, contrário ao livre trabalho de especialistas em segurança pública. Não devemos nos apequenar dizendo que somente profissionais da área de segurança são especialistas em segurança, porque isso seria uma grande falácia. Existem excelentes e sérios pesquisadores que muito contribuem para nosso trabalho, nosso entendimento da realidade social, nossa visão de mundo. A contribuição acadêmica é bem-vinda. O que nos indigna é uma certa desonestidade de propósitos que costuma habitar alguns militantes travestidos de especialistas.
Ora, colocar em questão se o policial deveria estar armado em sua folga não é falta de conhecimento, é puro ativismo desarmamentista.
Em uma participação sua no TED, evento para difusão de ideias inspiradoras para o mundo, a senhora Ilona lembrou-se com alegria da aprovação do Estatuto do Desarmamento em 2003 e citou a novela Mulheres Apaixonadas. Num dos capítulos, uma personagem foi morta por uma bala perdida. Em suas palavras, “avós e donas de casa ficaram furiosas e, em um caso de arte imitando a vida, esse episódio incluiu uma filmagem real de uma marcha sobre o porte de armas que havíamos organizado bem aqui, na praia de Copacabana.” A marcha, é claro, tinha todos os globais famosos, rodas de capoeira, familiares de vítimas etc. Pouco depois, o Congresso Nacional aprovou o estatuto. A palestrante ainda arrancou aplausos da plateia ao perguntar “qual direito é mais importante: o direito à vida ou o direito de ter uma arma que a tira?”.
Bom, se pudéssemos responder à excelsa pesquisadora, talvez o fizéssemos com outra pergunta: é a arma que tira a vida ou quem aperta o gatilho?
O Estatuto do Desarmamento é uma grande farsa.
Relembro o artigo 35, na íntegra:
“Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.
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1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.”